"Superar
uma dor de amor é o equivalente a estudar para o vestibular. Tranca-se no
quarto, são recusados convites para sair e se divertir, a história pessoal é
revisada, sublinhada e decorada à exaustão. Não mais o esporte, não mais as
festas, não mais os bares. Os únicos amigos preservados são os travesseiros.
Fala-se
pouco, come-se devagar, experimenta-se um emagrecimento involuntário que dá
mais certo do que uma dieta consciente. Aquela sonhada perda de sete quilos
realmente acontece, na hora e no jeito errados. Não festejamos, não percebemos,
não alardeamos a forma física, a tristeza encabula o corpo. Somos um par de
olheiras e uma boca confusa. As reticências do período tanto podem ser suspiros
como gemidos.
A
única missão que resta é estudar, não para seguir uma profissão. Estudar para
seguir a própria vida. Estudar para se manter de pé ou definitivamente cair. Na
dor do amor, o desejo é chegar ao fundo de si, mas o fundo de si está na pessoa
que deixou de nos amar. E nunca se chega ao fim. O fim não está mais com a
gente. Foi junto com quem traiu a fidelidade que acreditávamos.
A dor
do amor oferece igual preparação de uma prova difícil. Uma prova que não
importa a doação, o resultado é conhecido. O que se queria já se perdeu. Um
vestibular que significará esforço e não celebração. Um vestibular onde se é
desclassificado antes da inscrição.
Não
cumprimos a rotina, mal e forçosamente ficamos de pé. Os pijamas e abrigos
pedem na Justiça a guarda da pele. É um luto sem enterro. Um luto sem cadáver.
Um luto sem missa de sétimo dia. Um luto sem familiares se aproximando e
tentando consolar. Um luto sem pêsames e garantia social. Um luto obrigado a
trabalhar no dia seguinte. Um luto que não se explica. Um luto que não merece
nem um anúncio de jornal para avisar que acabou. Um luto em que o sofredor
poderá se encontrar com seu sofrimento em carne e osso na próxima esquina.
Acorda-se
com a sensação de pesadelo, dorme-se com a sensação de pesadelo. Fase de
transição, em que se confia sinceramente que nada será melhor do que antes.
Quem tinha humor fica cínico. Chora-se no princípio com força, depois o choro é
um hábito, perde a concentração e vira um resmungo intermitente. Não se faz
outra coisa senão a de remoer o tempo, de repisar fotografias, vídeos, cartas.
Reler e revisar o que foi esquecido no Ensino Fundamental e Médio. São meses de
exílio, de sacrifício, a mostrar que se é capaz de sofrer a sério por alguém e
abdicar do que se mais gostava.
A
fossa do amor não é uma encenação. Ao passar por ela, termina a confiança irrestrita,
a esperança ingênua. As pessoas que sofreram esse descompasso são reconhecíveis
de longe. Não se alegrarão de todo. Uma saudade vai retirar a velocidade dos
ouvidos. Não se abrirão de novo como uma vitória-régia. Têm uma sutileza que as
diferenciam dos demais, o tolhimento do abandono. E poderão no futuro amar
melhor porque não mais estarão sozinhas. Estarão sempre conversando e
consultando sua dor."
-
Fabricio Carpinejar